Educação Superior Comentada | A proposta em tramitação para as novas Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de Direito

Ano 5 - Nº 15 - 31 de maio de 2017

Na edição desta semana, o consultor jurídico da ABMES, Gustavo Fagundes, comenta a proposta em tramitação para as novas Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de Direito. Os principais pontos a serem tratados dizem respeito à exigência de realização de internacionalização e do incentivo à inovação, de adoção de metodologias ativas, além da definição da carga horária mínima para o estágio obrigatório e de inclusão de novos conteúdos obrigatórios

31/05/2017 | Por: Gustavo Fagundes | 5200

Encontra-se em tramitação perante o Conselho Nacional de Educação (CNE) proposta para alteração das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para os cursos de Direito, sendo certo que é mais do que evidente a necessidade de um amplo debate sobre o tema, com a participação ampla de todos os segmentos envolvidos.

Em seminário recentemente realizado pela ABMES, os debatedores apresentaram diversas considerações acerca do tema, sendo certo que esse texto será restrito ao material apresentado pelo representante do CNE por ser o único material concreto sobre o tema.

Com efeito, na proposta de Resolução apresentada, alguns aspectos chamam a atenção e merecem considerações neste momento.

Os principais pontos a serem tratados neste texto dizem respeito à exigência de realização de internacionalização e do incentivo à inovação, de adoção de metodologias ativas, além da definição da carga horária mínima para o estágio obrigatório e de inclusão de novos conteúdos obrigatórios.

Vamos tentar, ainda que em apertada síntese, apresentar algumas considerações sobre esses quatro pontos, os quais nos parecem mais relevantes neste momento.

A primeira observação diz respeito à intenção de tornar obrigatória a realização de atividades de internacionalização, conforme consta expressamente do inciso V do § 1º do artigo 2º da proposta de resolução, ao tratar dos elementos estruturais do Projeto Pedagógico do Curso (PPC) de Direito:

“Art. 2º A organização do Curso de Graduação em Direito, observadas as Diretrizes Curriculares Nacionais, se expressa por meio do Projeto Pedagógico do Curso - PPC, no qual deverão constar:

.....

§ 1º O PPC, abrangerá, sem prejuízo de outros, os seguintes elementos estruturais:

.....

V - formas de realização da interdisciplinaridade, da internacionalização e do incentivo à inovação;”.

Convém registrar, de início, que as atividades de internacionalização e incentivo à inovação não são obrigatórias para todas as instituições, como pode ser facilmente verificado no instrumento de avaliação institucional, sendo exigidas apenas das instituições que prevejam, em seu Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI), a sua implementação.

A posição adotada no instrumento de avaliação institucional está em perfeita harmonia com o princípio constitucional da autonomia didático-científica das instituições que não podem, exceto por força de lei, ser obrigadas a desenvolver esta ou aquela atividade sem que seu PDI o estipule.

Exigir que, mesmo sem previsão no PDI da instituição de ensino, o projeto pedagógico dos cursos de Direito traga obrigatoriamente a realização de atividades de internacionalização e incentivo à inovação, desprezando missão, objetivos e valores institucionais, além de afrontar o princípio da autonomia didático-científica das instituições de ensino, vulnera, ainda, pressuposto básico do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), qual seja o respeito à identidade e à diversidade das instituições, como expressamente preconiza o inciso III do artigo 2º da Lei n° 10.861/2004:

“Art. 2º O SINAES, ao promover a avaliação de instituições, de cursos e de desempenho dos estudantes, deverá assegurar:

.....

III - o respeito à identidade e à diversidade de instituições e de cursos;”.

Desse modo, ainda que desejável e mesmo pertinente, não parece legítimo pretender impor, em desrespeito aos princípios legais acima apontados, a realização obrigatória de atividades de internacionalização e incentivo à inovação ao arrepio da identidade e das concepções institucionais.

Adiante, a proposta de resolução pretende, ainda, impor, de forma obrigatória, a adoção de metodologias ativas como elemento estruturante obrigatório no PPC dos cursos de Direito, como consta do inciso VI do mesmo dispositivo acima mencionado:

“Art. 2º A organização do Curso de Graduação em Direito, observadas as Diretrizes Curriculares Nacionais, se expressa por meio do Projeto Pedagógico do Curso - PPC, no qual deverão constar:

.....

§ 1º O PPC, abrangerá, sem prejuízo de outros, os seguintes elementos estruturais:

VI - modos de integração entre teoria e prática, especificando as metodologias ativas utilizadas;”.

Assim como no tópico anteriormente abordado, a exigência obrigatória de adoção de metodologias ativas vulnera o princípio da autonomia didático-científica das instituições de ensino superior, pois busca impor a utilização de uma proposta metodológica específica, que pode ou não ser adequada ao perfil didático-pedagógico da instituição.

Com efeito, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), em seu artigo 3º, é absolutamente cristalina ao estabelecer os princípios norteadores da oferta do ensino, entre os quais estão assegurados a liberdade de aprender e ensinar (inciso II) e a pluralidade de concepções pedagógicas (inciso III):

Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

.....

II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber;

III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas;”.

Ora, se a própria LDB assegura tais princípios, força é admitir que não cabe às normas hierarquicamente inferiores pretender impor a adoção desta ou daquela concepção pedagógica ou proposta metodológica.

Cabe, exclusivamente, na análise do PPC dos cursos de graduação, aferir a adequação da proposta pedagógica adotada pela instituição aos objetivos do curso, verificando se as práticas pedagógicas e metodológicas, de fato, permitem o atingimento do perfil pretendido para o egresso e o desenvolvimento das competências e habilidades preconizadas no projeto.

Adiante, a proposta de Resolução, no inciso II de seu artigo 5º, ao estabelecer a composição da perspectiva formativa relativa à “Formação técnico-jurídica”, traz como obrigatórios os seguintes conteúdos:

“Art. 5º O curso de graduação em Direito, priorizando a interdisciplinaridade e a articulação de saberes, deverá contemplar, no PPC e na Organização Curricular do Curso - OCC, conteúdos e atividades que atendam às seguintes perspectivas formativas:

.....

II- Formação técnico-jurídica, que abrange, além do enfoque dogmático, o conhecimento e a aplicação, observadas as peculiaridades dos diversos ramos do Direito, de qualquer natureza, estudados sistematicamente e contextualizados segundo a evolução da Ciência do Direito e sua aplicação às mudanças sociais, econômicas, políticas e culturais do Brasil e suas relações internacionais, incluindo-se, necessariamente, dentre outros condizentes com o PPC, conteúdos essenciais referentes às áreas de Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Tributário, Direito Penal, Direito Civil, Direito Empresarial, Direito do Trabalho, Direito Internacional, Direito Processual, Direito Eleitoral, Direito Ambiental, Direito Previdenciário, Propriedade Intelectual, Tecnologias da Informação e Comunicação, Tutela dos Direitos e Interesses Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, com ênfase na solução consensual de conflitos; e”.

Embora traga a inclusão de alguns novos conteúdos obrigatórios, entendo não haver grande problema neste aspecto, pois grande parte dessas “novidades”, na verdade, já vinham sendo integradas à estrutura curricular dos cursos de Direito, principalmente em decorrência das exigências do próprio mercado.

Acredito, apenas, que deva haver cuidado na constante incorporação de novos conteúdos obrigatórios para evitar que as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de Direito se tornem de tal modo extensas e restrinjam a possibilidade de individualização das estruturas curriculares a partir do respeito à individualidade e diversidade das instituições de ensino superior.

Finalmente, no que pertine ao estágio obrigatório, a proposta prevê, em seu artigo 13, que sua carga horária deverá corresponder, no mínimo, a 12% da carga horária total do curso, com o mínimo de 50% para realização de atividades de prática real:

“Art. 13. O estágio curricular obrigatório compreenderá, no mínimo, 12% da carga horária total do curso. Questionamento sobre a necessidade deste artigo

Parágrafo único. No mínimo 50% da carga horária do estágio curricular obrigatório, previsto no caput, deverá ser destinada a atividades de prática real, conforme definido no PPC.”

A partir do contato com diversas instituições de ensino superior, tenho visto que esta exigência também não acarretará a necessidade de muitas modificações na realidade que já vem sendo praticada.

Todavia, acompanhando os diversos debates que vêm sendo realizado sobre o tema, nos mais diversos ambientes, tenho sentido falta de uma análise que considero fulcral para que possamos avançar na questão relativa à proposta de alteração das Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de Direito.

Com efeito, ainda não foi apresentada nenhuma análise criteriosa e fundamentada acerca da efetiva aplicação e, portando, das supostas fragilidades contidas nas diretrizes atualmente em vigor.

Ou seja, não houve, até agora, uma análise crítica das deficiências das diretrizes em vigor, a partir da qual seria, de fato, possível apresentar uma proposta fundamentada de alteração e melhoria.

Quais são os pontos das diretrizes em vigor que fragilizam a formação dos bacharéis em Direito e, portanto, demandam alterações?

Acredito que, somente a partir da resposta a este questionamento aparentemente simples poderemos, de modo eficaz, debater qualquer proposta acerca da alteração das diretrizes curriculares nacionais para os cursos de Direito.

Seria, sob os pontos de vista lógico e metodológico, o pontapé inicial para um debate efetivo e eficiente sobre o tema, pois, sem esse diagnóstico fundamental, tudo fica resumido ao campo do achismo e ao embate ideológico entre os diversos atores do processo.

Debater mudanças nas DCN de qualquer curso superior, exclusivamente por pressão deste ou daquele grupo, sem o diagnóstico efetivo das fragilidades das diretrizes em vigor, certamente, não trará melhorias significativas para a qualidade da educação superior, pois deixará passar a oportunidade de corrigir as deficiências do regramento em vigor.

Qualquer crítica, dúvida ou correções, por favor, entre em contato com a Coluna Educação Superior Comentada, por Gustavo Fagundes, que também está à disposição para sugestão de temas a serem tratados nas próximas edições.

A ABMES também oferece atendimento presencial nas áreas jurídica e acadêmica. Para agendar um horário, envie e-mail para faleconosco@abmes.org.br.


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