Educação Superior Comentada | Providências necessárias para a oferta de carga horária em EAD nos cursos presenciais

Ano 4 • Nº 38 • 1 de novembro de 2016

Na Coluna Educação Superior Comentada desta semana, o consultor jurídico da ABMES, Gustavo Fagundes, reforça que é obrigação das instituições de ensino superior prover os estudantes de informações claras, precisas e suficientes acerca dos serviços educacionais prestados. No caso, a adoção da educação à distância para cumprimento parcial da carga horária dos cursos presenciais autorizados

01/11/2016 | Por: Gustavo Fagundes | 3426

Na Coluna da semana passada comentamos a nova realidade, trazida pela Portaria n° 1.134/2016, segundo a qual as instituições de ensino superior que possuam pelo menos um curso de graduação reconhecido podem ofertar, em seus cursos de graduação presenciais regularmente autorizados, disciplinas na modalidade de educação a distância observado o limite de 20% da carga horária total do curso e desde que as avaliações sejam realizadas presencialmente.

Naquela ocasião, registramos que essa oferta tem como pressuposto que a proposta metodológica inclua métodos e práticas de ensino-aprendizagem que incorporem o uso integrado de tecnologias de informação e comunicação, visando à efetivação dos objetivos pedagógicos, além de prever encontros presenciais e atividades de tutoria, as quais, por seu turno, demandam a existência de profissionais da educação com formação na área do curso e qualificação em nível compatível àquele previsto no respectivo Projeto Pedagógico de Curso.

Cumpre registrar, ainda, que as instituições que façam a opção pela adoção dessa modalidade de oferta devem atentar para o disposto no artigo 3º da norma recentemente publicada, adequando o projeto pedagógico do curso presencial no qual pretenda promover a oferta de parte da carga horária em educação a distância, nele fazendo constar, evidentemente, as informações relativas à proposta metodológica adotada.

Embora óbvio, oportuno reiterar, como já apontado na Coluna anterior, que a oferta de disciplinas na modalidade de educação a distância nos cursos autorizados não prescinde da indispensável atualização do respectivo Projeto Pedagógico, indicando as disciplinas a serem integral ou parcialmente ofertadas nesta modalidade e apresentando, como exposto anteriormente, a proposta metodológica a ser adotada, para fins de análise e avaliação por ocasião das avaliações decorrentes dos pedidos de reconhecimento e renovação desses reconhecimento dos cursos superiores.

Todavia, a adequação do projeto pedagógico, embora imprescindível, não esgota o rol das providências necessárias à implantação, com margem razoável de segurança jurídica, da oferta de parte da carga horária dos cursos presenciais na modalidade de educação a distância.

Com efeito, e tendo em vista que a relação entre os estudantes, na condição de contratantes da prestação de serviços educacionais, e as instituições de ensino superior, na condição de prestadoras dos serviços contratados, constitui evidente relação de consumo, é preciso que as condições efetivas da prestação dos serviços estejam clara e expressamente disponíveis para os alunos.

Nesse sentido, é absolutamente clara a disposição contida nos incisos II, III e IV da Lei n° 8.078/1990, o Código de Proteção e Defesa do Consumidor:

Art.São direitos básicos do consumidor:

.....

II - a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações;

III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;

IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;”. (grifamos).

Indiscutível, portanto, que é obrigação inafastável das instituições de ensino superior prover os estudantes de informações claras, precisas e suficientes acerca dos serviços educacionais prestados.

No caso do tema sob análise, entendo que a informação acerca da adoção da educação à distância para cumprimento parcial da carga horária dos cursos presenciais autorizados é informação essencial acerca das características dos serviços educacionais contratados, devendo, portanto, estar disponível de forma muito clara para os consumidores, no caso, os estudantes.

Evidencia-se esta necessidade pelo fato de, sendo o curso autorizado para oferta na modalidade presencial, o senso comum aponta para a realização, na forma presencial, de todas as atividades curriculares ordinárias, sem a adoção da modalidade de EaD.

A adoção, ainda que parcial, de atividades na modalidade de educação a distância constituiria, portanto, a apresentação de conteúdos curriculares em forma diversa daquela originalmente pactuada, em virtude da inexistência de informações expressas acerca da possibilidade desta prática.

Com efeito, todas as informações relevantes acerca das condições de oferta devem estar disponíveis de forma clara, sobretudo no que pertine à forma de oferta dos componentes curriculares, por força do dispositivo legal acima transcrito.

O mais indicado, neste caso, é que, além das informações de cunho pedagógico e metodológico obrigatoriamente contidas no projeto pedagógico dos cursos, nos termos exigidos pela recente Portaria n° 1.134/2016, como acima exposto, a opção da instituição pela oferta de educação a distância para cumprimento parcial da carga horária dos cursos presenciais regularmente autorizados esteja claramente lançada em dois documentos essenciais, quais sejam, o edital de abertura de processo seletivo e, principalmente, o contrato de prestação de serviços educacionais celebrado entre as partes.

Esses documentos devem, evidentemente, mencionar a informação clara de que, nos cursos presenciais regularmente autorizados, a instituição de ensino superior poderá incluir a oferta de componentes curriculares na modalidade de educação a distância, observado o limite de 20% da carga horária total, conforme previsto na Portaria n° 1.134/2016.

Lançada a informação de forma clara e precisa no edital de abertura do processo seletivo e no contrato de prestação de serviços educacionais, além, é claro, da descrição adequada da proposta metodológica no projeto pedagógico do curso, estará o estudante suficientemente informado das condições efetivas de oferta, tendo, de forma consciente, aderido à proposta educacional apresentada pela instituição de ensino.

Ausente esta informação, a instituição de ensino que adote esta solução estará claramente incorrendo na prestação de serviço defeituoso, assim considerado aquele prestado em desconformidade com as informações acerca de sua forma efetiva de oferta, nos termos do disposto no inciso I do § 1º do artigo 14 da Lei n° 8.078/1990:

“Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I - o modo de seu fornecimento;

II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III - a época em que foi fornecido.” (grifamos).

A forma mais segura, portanto, de evitar questionamentos acerca da qualidade e das características do serviço educacional prestado é, sem sombra de dúvidas, a adequada divulgação, pelos meios disponíveis, das condições reais em que o serviço é prestado, o que inclui, no caso sob análise, a possibilidade de oferta parcial da carga horária dos cursos superiores presenciais na modalidade EaD.

Para melhor demonstrar a necessidade de fornecimento de informações claras e precisas sobre as condições de oferta dos cursos superiores, sobretudo, no que interessa ao tema desta Coluna, à possibilidade de utilização da educação a distância para cumprimento parcial da carga horária dos cursos presenciais regularmente autorizados, cumpre trazer à colação decisões judiciais determinando a rescisão do contrato de prestação de serviços educacionais celebrado e a devolução dos valores pagos pelos estudantes de cursos presenciais nos quais, sem a prestação de informação adequada, ocorreu a adoção de regime semipresencial:

“EMENTA

CONSUMIDOR. RESCISÃO DO CONTRATO DE PRESTAÇÃO EDUCACIONAL. AUSÊNCIA DE INFORMAÇÃO ACERCA DE DISPONIBILIZAÇÃO DE MATÉRIA VIRTUAL. RESTITUIÇÃO DO VALOR PAGO. SENTENÇA MANTIDA.

I. A EMPRESA NÃO COMPROVOU POR MEIO HÁBIL A CIÊNCIA DA APELADA QUANTO A OFERTA DE MATÉRIA ON LINE, VISTO QUE OS TERMOS CONTRATUAIS NÃO DEIXAM CLARO O MODO QUE SERIAM MINISTRADAS AS AULAS (SE APENAS PRESENCIAIS OU VIRTUAIS, OU UMA MESCLA DESTAS). OFENSA AO PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA, BOA-FÉ E LEALDADE CONTRATUAIS.

II. O OBJETO DO CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EDUCACIONAIS É A PRESTAÇÃO DE AULAS MINISTRADAS NO SEMESTRE, A SER A AVENÇA PAGA EM RAZÃO DA SEMESTRALIDADE, COM VALORES DILUÍDOS PELOS MESES QUE O COMPÕEM (20070710385048ACJ, Relator ALFEU MACHADO, Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do DF, julgado em 21/10/2008, DJ 14/11/2008 p. 106).

III. A NÃO TER SIDO DADO O CONHECIMENTO PRÉVIO E ADEQUADO À RECORRIDA ACERCA DO MEIO DE PRESTAÇÃO DA ATIVIDADE DIDÁTICA (VIRTUAL), DEVE A INSTITUIÇÃO DE ENSINO EFETUAR A DEVOLUÇÃO DOS VALORES PAGOS.

IV. EM SEDE RECURSAL, NOS CASOS EM QUE HOUVER CONDENAÇÃO DA PARTE DEVEDORA AO PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA, ELA DEVERÁ SER INTIMADA PARA PROMOVER O PAGAMENTO DO MONTANTE DEVIDO NO PRAZO DE 15 (QUINZE) DIAS. CASO SE MANTENHA INERTE, INCIDIRÁ SOBRE O VALOR DA CONDENAÇÃO À MULTA PREVISTA NO ARTIGO 475-J DO CPC (RESP 940274/MS, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Rel. P/ Acórdão Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, CORTE ESPECIAL, julgado em 07/04/2010, DJE 31/05/2010). (PRECEDENTE 20090111461435ACJ, Relator JOSÉ GUILHERME DE SOUZA, Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do DF, julgado em 08/02/2011, DJ 02/03/2011 p. 222).

IV. SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS, SALVANTE PARA SE ADEQUAR A ORIENTAÇÃO DO STJ NO RESP 940.274 - MS. SEM CUSTAS, NEM HONORÁRIOS (LEI 9099/95, ARTIGOS 46 E 55). UNÂNIME.

Decisão CONHECIDO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. UNÂNIME.” (TJDFT, Acórdão n° 503725, DJ 88/2011, 12.5.2011, pág. 337 – grifamos).

“EMENTA

LEI 8078/90. DEFEITUOSA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EDUCACIONAIS.

I. Patente a defeituosa prestação do serviço pela instituição de ensino, por não informar adequadamente ao consumidor (deficiente visual) a disponibilização de cerca de 20% da carga horária do curso sob a modalidade semipresencial, além de não comprovar a oferta de meios alternativos (compatíveis às necessidades especiais do aluno) para que ele pudesse cursar as disciplinas sem a imposição de sobre-esforço e prejuízo físico.

II. Se a rescisão contratual é decorrente de vício de qualidade do serviço, o apelado faz jus à restituição imediata da totalidade da quantia paga, monetariamente atualizada (CDC, art. 20, caput e inciso II). SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS, E O APELANTE ARCARÁ COM AS CUSTAS PROCESSUAIS (LEI 9099/95, ARTIGOS 46 E 55). RECURSO IMPROVIDO. UNÂNIME.

Decisão CONHECIDO. RECURSO IMPROVIDO. UNÂNIME.” (TJDFT, Acórdão n° 505322, DJ 93/2011, 19.5.2011, pág. 269 – grifamos).

Verificamos que, diante da falta de informações adequadas acerca das reais condições de oferta de curso superior, entendeu o Poder Judiciário, de forma correta, pela rescisão do contrato com a restituição dos valores adimplidos pelo contratante.

Desse modo, cumpre encerrar registrando que, embora seja indispensável a adequação do projeto pedagógico dos cursos presenciais nos quais se pretenda adotar a oferta de parte da carga horária total em educação a distância, esta providência não esgota as obrigações das instituições de ensino superior que adotem esta possibilidade.

É preciso, ainda, que essas instituições assegurem a prestação de informações suficientes, precisas e adequadas acerca das condições de oferta desses cursos, com o registro expresso acerca da adoção da modalidade a distância para cumprimento parcial da carga horária total, sob pena de, não o fazendo, restar vulnerado o regramento lega vigente, possibilitando, com esta omissão, a imposição de sanções pela prestação defeituosa dos serviços educacionais contratados.

Qualquer crítica, dúvida ou correções, por favor, entre em contato com a Coluna Educação Superior Comentada, por Gustavo Fagundes, que também está à disposição para sugestão de temas a serem tratados nas próximas edições.

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