Educação Superior Comentada | A proliferação dos institutos que ofertam cursos de extensão como se fossem programas de graduação

Ano 4 • Nº 27 • 17 de agosto de 2016

A Coluna Educação Superior Comentada desta semana alerta para a proliferação dos institutos que ofertam cursos de extensão como programas de graduação

17/08/2016 | Por: Gustavo Fagundes | 3371

Recentemente, tem surgido inúmeras informações acerca da existência, sobretudo no interior do País, de institutos de educação que ofertam cursos de extensão elaborados à imagem e semelhança de cursos de graduação, vendendo aqueles como se estes fossem.

A situação já seria grave se esses institutos se limitassem a “vender gato por lebre”, ou seja, vendendo cursos de extensão como se fossem programas de graduação, simplesmente ludibriando seus alunos e, ao final, lhes entregando meros certificados de cursos de extensão.

Todavia, a questão é ainda mais grave, pois esse instituto vem celebrando convênios e parcerias com instituições de ensino superior credenciadas, para que, aprovados em processos seletivos aparentemente regulares, seus egressos possam, ao ingressar num curso de graduação regular, realizar o pleno aproveitamento de todos os módulos/cursos extensionistas realizados e, com isso, obter o diploma de um curso de graduação, somente deles sendo exigida a elaboração de trabalho de conclusão de curso.

Esse descalabro já rendeu, inclusive, a instauração de Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI – pela Assembleia Legislativa de Pernambuco, a qual culminou com o acionamento do Ministério Público de Pernambuco e do Ministério Público Federal, para adoção das medidas judiciais cabíveis  (http://g1.globo.com/pernambuco/noticia/2016/06/cpi-pede-sancao-faculdades-e-indiciamento-de-20-pessoas-em-pe.html).

Não se questiona a aplicabilidade do princípio da valorização da experiência extraescolar na oferta do ensino, como claramente previsto no inciso X do artigo 3º da LDB:

“Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

.....

X - valorização da experiência extra-escolar; ”.

O que este princípio preconiza, em sua essência, é que as instituições de ensino credenciadas, ao promover as atividades educacionais decorrentes da aplicação de seus planos e programas de ensino, assegurem a valorização das experiências que os estudantes tragam do mundo “exterior”, ou seja, as competências, conhecimentos e habilidades trazidos dos múltiplos ambientes que frequentam fora dos muros das instituições de ensino.

Essa premissa, fulcrada no necessário diálogo produtivo entre a academia e o ambiente extraescolar, visa à garantia de que os conhecimentos, competências e habilidades desenvolvidos pelos estudantes fora das instituições de ensino tenham efetiva aceitação e possam ser objeto de aproveitamento em sua vida escolar.

Não se destina, portanto, a possibilitar que os estudantes, no caso da educação superior, façam cursos de extensão compreendendo todos os conteúdos curriculares de um curso de graduação, sem a aferição da frequência e rendimento, exigidos neste mas não naquele, e, já de caso pensado e com esta motivação desde o princípio, submetam-se a um simulacro de processo seletivo para, elastecendo de forma descabida a aplicação do princípio acima apontado, fazer o aproveitamento de todos os conteúdos ofertados em sede de programas extensionistas para substituir todo o processo formativo exigido na graduação e, assim, ensejar a obtenção de diploma de curso superior.

Não parece minimamente razoável admitir que a mera frequência a programas de extensão, sem processo seletivo, sem exigência de frequência e rendimento, possa ser legitimamente admitida por instituições de ensino superior regulares como substituto da efetiva realização de um processo formativo sério e levado a efeito com a observância às exigências legais de aproveitamento e frequência.

Nessa situação, erram todos os envolvidos.

Erram os institutos, que atuam de forma enganosa, vendendo aos estudantes cursos de extensão com a promessa de uma posterior “convalidação” para culminar com a obtenção de um diploma de curso superior.

Erram as instituições de ensino credenciadas que formalizam convênios com esses institutos, auferindo descabidos proveitos financeiros com uma sistemática que beira a fraude, chegando ao cúmulo de aceitar matrículas em quantidade significativamente superior à quantidade de vagas anuais autorizadas e a promover o indiscriminado aproveitamento de cursos extensionistas como substitutos do rígido processo formativo que conduz a tais diplomas.

Erram as universidades que se dispõem a promover o registro desses diplomas, fingindo não ver a disparidade entre a quantidade expedida e as vagas anuais autorizadas para as instituições que o emitem.

Erram as autoridades do Ministério da Educação e do Ministério Público, que fazem vista grossa a essa situação teratológica, exercendo de forma condescendente suas atividades de supervisão, permitindo que se mantenha um esquema que chega às raias da “venda de diplomas”, embora levado a efeito com um pouco mais de sofisticação e formalidades.

Erram, por fim, os estudantes, que procuram facilidades no processo de conquista de um diploma de graduação, seja pela omissão na busca de informações concretas acerca da regularidade das instituições e cursos superiores, seja pela intencional busca de um esquema que proporcione um “jeitinho” mais simples e menos trabalhoso para obter um diploma de curso superior.

Resta, ainda, àqueles que procuram trabalhar de forma correta, cumprindo corretamente os rigores da lei, a sensação de estarem sendo feito de bobos, tanto em relação às instituições, quanto para os alunos, que dedicam tempo, esforço e recursos financeiros para levar a cabo a árdua tarefa de conquistar um diploma de curso superior.

Até quando os resultados financeiros serão mais importantes que a seriedade do processo formativo de nossos estudantes do ensino superior?

Até quando vamos diplomar analfabetos funcionais e formal, mas não materialmente, habilitá-los para o exercício profissional?

Até quando vamos permitir que o engodo seja a mola mestra que move a sociedade e permanecer, em nossos confortáveis sofás, bradando contra a corrupção?

Não podemos continuar permitindo, ainda que por nossa omissão, que jovens em busca de educação superior com um mínimo de qualidade sejam atraídos para verdadeiras arapucas, destinadas exclusivamente a transformar o sonho desses jovens em proveito financeiro.

Qualquer crítica, dúvida ou correções, por favor, entre em contato com a Coluna Educação Superior Comentada, por Gustavo Fagundes, que também está à disposição para sugestão de temas a serem tratados nas próximas edições.

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