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Flávio Ilha / Redação de AMANHÃ Depois de sucessivas crises de credibilidade, especializações executivas tentam retomar o caminho da qualidade. Mas esbarram na desorganização do mercado e na oferta excessiva de cursos
A cena tem se tornado corriqueira: com as oportunidades cada vez mais escassas do mercado de trabalho, recém-graduados de todo o país prolongam ao máximo a vida acadêmica e buscam qualificação extra para se tornarem competitivos. MBA, especializações, mestrados profissionais, cursos de extensão e toda sorte de programas de ensino têm se transformado em uma forma de mostrar ao mundo corporativo que eles podem, sim, ocupar aquela vaga tão disputada. Mas o resultado desse investimento nem sempre é o que se espera. Sem regulação, o mercado da especialização prolifera de forma descontrolada e suscita uma questão: é esse o modelo de que precisamos?
É a pergunta que se faz a administradora Márcia Bronislawski. Formada pela Udesc (Universidade do Estado de Santa Catarina) em 2008, a catarinense de 24 anos viu no MBA em Finanças da Univale (Universidade do Vale do Itajaí) uma saída para o desemprego e para a falta de experiência profissional - durante a graduação, Márcia fez apenas estágios. Recém-formada, decidiu então procurar alternativas de cursos que encurtassem o caminho para uma experiência corporativa e que coubessem no seu bolso. "Sei que um MBA não é garantia de emprego, mas pode ser determinante em uma seleção", avalia.
Assim como Márcia, uma legião de profissionais recém-egressos da universidade está alimentando um mercado que cresce a uma velocidade extraordinária. Pela falta de regulação, não há estatísticas sobre o número de cursos oferecidos no Brasil ou sobre o número de alunos. Nem a Associação Nacional dos MBA - a Anamba - arrisca um palpite. "É impossível qualquer nível de precisão a esse respeito porque não há uma agência que regule ou classifique os cursos disponíveis. Mas são milhares", espanta-se o professor Adalberto Fischmann, secretário executivo da Anamba. O Ministério da Educação tampouco tem registros. O diretor de regulação e supervisão do ensino superior, Paulo Wollinger, diz que o órgão não tem atribuição legal sobre as especializações. "Fazemos apenas o reconhecimento dos certificados", diz.
O que, na prática, tem se mostrado um problema. O executivo da Anamba, por exemplo, critica a proliferação de programas e diz que houve uma banalização do conceito de MBA "Virou grife. O pessoal pega três letrinhas para fazer propaganda e gera uma tremenda confusão no mercado. É uma irresponsabilidade dizer que um MBA não tem contraindicação. Tem sim", critica Fischmann. Por "pessoal" entenda-se os cursos que não seguem as rígidas orientações da Anamba sobre a qualidade dos MBA, que incluem um número mínimo de 480 horas de aula, uma seleção rigorosa dos alunos e um corpo docente composto por pelo menos 75% de doutores e mestres.
O descontentamento com a desregulamentação e com a consequente proliferação da oferta de cursos de especialização é explícito. "Poderia haver mais clareza sobre o tipo de programa que determinadas instituições oferecem. Tenho a sensação de que muitos alunos não sabem o que é um MBA e tampouco desconhecem que seu certificado não será aceito em algumas circunstâncias", defende o coordenador-geral de MBA do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), Sílvio Laban. O Insper, atual denominação do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec), está qualificado pela revista Você S/A como um dos cinco melhores MBA em Finanças e Marketing do Brasil. Mas o galardão tem seu preço: um curso no Insper não sai por menos de R$ 44.870,00 - se o pagamento for à vista.
A réplica vem na mesma moeda. "Nossa missão é resgatar as classes C e D", sustenta o professor Edgar Falcão, diretor de pós-graduação da Anhanguera Educacional. A universidade, com sede em Valinhos (SP), tem 30 mil alunos nas suas 34 especializações - sete classificadas como MBA. Nenhum aluno paga mais do que R$ 229 mensais para cursos de um ano, o que dá um total de R$ 2.748,00. "Reconheço que nossos MBA não têm o nível de excelência dos bons programas do mercado. Mas nossos alunos saem daqui melhor do que entraram", justifica Falcão.
A seguir, quatro ilusões que você não deve ter a respeito dos MBAs.
1. MBA não é treinamento
Nem todo programa de especialização pode ser chamado de MBA. Sigla de Master of Business Administration (Mestre em Administração de Negócios), MBA é um tipo de curso que alia conhecimento acadêmico com vivência em gestão de empresas. Ou seja, vale muito mais pela experiência dos participantes na solução de problemas - sejam eles professores ou alunos - do que pelo conteúdo teórico ou prático. Esse modelo começou a ganhar forma ainda no século 19, graças ao businessman norte-americano Joseph Wharton. Foi dele a ideia de fazer um programa de bacharelado em negócios na Universidade da Pensilvânia, em 1881. O grau de mestre só seria oferecido a partir de 1900, quando a Dartmounth College (de New Hampshire) estendeu por mais um ano a formação desses novos graduados como forma de aprofundar os conteúdos em gestão. O primeiro MBA foi criado por Harvard em 1908. Mas só a partir de 1925, com o desenvolvimento de um curso parecido pela Universidade Stanford, é que os programas começaram a se disseminar pelas universidades americanas. Classificar uma especialização em logística ou em gestão hospitalar como MBA, portanto, pode ser um equívoco.
Essa, pelo menos, é a convicção do professor Márcio Campos, coordenador do programa de MBA da Fundação Dom Cabral (FDC) - a saber, outra instituição entre as cinco mais bem avaliadas pelo ranking da revista Você S/A. Com 12 anos de estrada e 59 turmas já formadas, Campos diz que a FDC é rigorosa na abordagem dos programas de ensino justamente para manter a essência de um MBA. Os cursos da fundação, por exemplo, exigem pelo menos cinco anos de experiência profissional dos candidatos a uma vaga - de preferência em funções gerenciais. As turmas são formadas a partir da indicação de empresas, ou seja, ter um vínculo profissional é uma condição essencial para ser aluno. A média de idade dos estudantes é de 37 anos e os programas incluem noções gerais de operações, marketing, estratégia, relações internacionais, inovação. E muita troca de informações entre os participantes. "O nosso grande problema hoje é fazer uma composição de experiências com o objetivo de constituir um grupo homogêneo, que tenha vivência profissional, domínio de outras línguas e até experiências no exterior", sustenta Campos. A cada processo seletivo aberto pela FDC, segundo Campos, há três candidatos por vaga.
A febre dos cursos de especialização no Brasil começou a se desenhar ainda nos anos 80, quando o empresário Ricardo Semler, CEO da Semco, escreveu Virando a Própria Mesa e relatou a sua busca por conhecimento executivo mesmo estando no ambiente de uma empresa familiar - teoricamente mais propenso à aprendizagem prática. Editado pela primeira vez em 1988, o livro relata como Semler alcançou a presidência da Semco aos 21 anos de idade e como conseguiu ingressar nos disputados cursos de MBA da Harvard depois de criticar publicamente a instituição por não aceitá-lo como aluno regular. Virou uma bíblia. Uma década depois, a enxurrada de programas de formação de executivos era uma realidade irreversível no país.
A vulgarização do conceito, porém, virou um problema. Um dos teóricos mais importantes da atualidade critica a falta de foco dos MBA. "Usar a sala de aula para ajudar a desenvolver gente que já exerce a gerência é uma ótima ideia, mas pretender formar gerentes a partir de pessoas que nunca gerenciaram nada é pura fantasia", escreve o professor norte-americano Henry Mintzberg. Ele é autor de MBA? Não, Obrigado (Bookman, 2009), um compêndio de valiosas regras sobre o que não fazer em um curso de especialização executiva. Seu objeto, claro, são as tradicionais escolas de administração americanas que ajudaram a popularizar, em escala mundial, a tese de que é possível formar gerentes apenas com teoria. Não é. Segundo o professor, 1 milhão de portadores de um título de MBA invade o mercado dos Estados Unidos todos os anos - a maioria com escasso conhecimento sobre clientes, produtos e processos. "Via de regra, os MBA convencionais treinam pessoas erradas, de maneira equivocada e com consequências inadequadas", dispara Mintzberg.




